Os jogos de tabuleiro que utilizam a mecânica de parágrafos, têm por base um livro de (imaginem só) parágrafos (ás vezes é só uma lista e não um livro). Estas dezenas de parágrafos que o jogo contém, são utilizados para gerar uma sequência de eventos, que servem para enriquecer a narrativa do jogo. Estas mecânicas variam desde sistemas que estão cuidadosamente pré-programados, até sistemas que mais não são que gigantescas tabelas de eventos aleatórios. Ambos os sistemas têm sido usados com mais ou menos sucesso, mas nunca conseguindo contornar definitivamente o calcanhar de Aquiles desta mecânica: a rejogabilidade.

Por rejogabilidade entende-se a capacidade que o jogo têm de ao ser jogado diversas vezes, nos apresentar situações novas, interessantes e estimulantes. Uma vez que o número de parágrafos é finito e limitado, ao fim de n vezes de se jogar o mesmo jogo, já se sabe que o encontro X tens as hipóteses A, B e C, sendo a última a que nos dá o caldeirão no  fim do arco-íris.

Os jogos baseados em sistemas de parágrafos tem visto usos muito diversos e uns mais criativos que outros ao longo dos anos, tendo já sido usados com quase todo o tipo de temas: wargames, fantasia, ficção cientifica, solitaire, etc.

Apresento agora ao leitor alguns jogos de parágrafos:

  • Tales of the Arabian Nights – reeditado pela Z-Man Games o ano passado, mais do que um jogo é uma verdadeira experiência que se tem de jogar pelo menos uma vez. Neste jogo cada jogador encarna uma personagem das histórias das 1001 Noites, e a partir daqui cada um vai ao longo do jogo, contar a história da sua personagem. Este é um jogo em que as milhares de combinações possíveis de situações e eventos em que cada personagem se vê,nem sempre estão cobertos pelas regras. A FAQ deste jogo dá uma resposta que deve-se ter em conta sempre que se joga: Sempre que se levantar um problema com uma interpretação das regras tal como estão escritas, a decisão que deve prevalecer deve ser sempre a que providenciar a melhor história. E é isto que o TotAN é. O contar de uma história por cada um dos participantes. Com o seu gigantesco livro de parágrafos (mais de 2.000!!!!), serão necessárias várias dezenas (senão mesmo centenas) de jogos para se perder a sensação de novidade, a não ser que se tenha uma memória de elefante para se recordar dentro daqueles milhares de parágrafos, as diversas opções, mesmo quando um se repete. Ao fim de um jogo é excelente ouvir os jogadores (independentemente de quem ganhou ou perdeu) a contar as suas histórias: “Epah, aquele gigante nem soube o que lhe acertou! Também podera, fizeste-lhe olhinhos o tempo todo!!!”.
  • Ambush! (e as suas expansões) – já com mais de 20 anos, este continua a ser uma referência nos wargames, em duas mecânicas distintas: Solitário e Parágrafo. Neste brilhante jogo, o jogador comanda uma equipa de 8 soldados americanos através de uma série de missões durante a 2ªGuerra Mundial na Europa. Este provoca um verdadeiro jogo de nervos, enquanto seguimos a nossa equipa de soldados, tal como se fosse um episódio do “Band of Brothers” ou uma cena carregada de acção do “Saving Private Ryan“. O sistema de Parágrafos providência o Fog of War necessário a manter o suspense, sempre que se dobra uma esquina ou se atravessa uma estrada, nunca sabendo o jogador quando é que um soldado alemão aparece atrás de um arbusto a fazer chover balas em cima dos nossos pobres soldados. Para além disso, parte da “Inteligência Artificial” do jogo está também contida no sistema de Parágrafos, pois são estes que controlam uma boa parte das acções dos adversários. Enquanto que o aspecto pré-programado das missões coloca alguns problemas de rejogabilidade, há muito por onde jogar em cada uma das 8 missões do jogo base, e as três expansões (Move Out, Purple Heart, e Silver Star) e módulos posteriores (Battle Hymn e Leatherneck situam-se no Teatro de Operações do Pacifico) providenciam centenas de horas de jogo.
  • Voyage of the B.S.M.Pandora (e o seu congénere Wreck of the B.S.M.Pandora) – quase a alcançar a marca de 30 anos, este jogo publicado na revista Ares Magazine, tornou-se um culto para os adeptos do sistema de Parágrafos. Tendo como tema central os tripulantes da nave de investigação cientifica B.S.M.(Biological Survey Mission) Pandora, e as suas aventuras pela Galáxia, o jogador leva as suas personagens a investigar planetas, e descobrir novas formas de vida e Civilizações (faz lembrar qualquer coisa?).
  • Barbarian Prince – produzido pela Dwarfstar, é mais um jogo Solitaire que utiliza o sistema de Parágrafos, para fazer avançar a aventura,  numa terra de fantasia cheia de perigos.
  • Star Trek: The Adventure Game – é um jogo para um ou dois jogadores, podendo-se escolher jogar pelos famigerados Klingon, ou pela Federação. Para quem sempre lhe apeteceu tomar a cadeira do Tiberius, esta é uma excelente oportunidade de o fazer ou a solo ou contra um amigo, cabendo-lhes explorar e influenciar as diversas civilizações com que se entra em contacto.
  • Sherlock Holmes Consulting Detective – O vencedor do Spiel des Jahres de 1985, utiliza um sistema de Parágrafos ligeiramente modificado em que nos apresenta em cada parágrafo, uma pista ou um indicio que nos levará na nossa pele a medir forças contra a capacidade dedutiva do famoso detective vitoriano (com as pantufas e sem necessitarmos de morfina!),a descobrir os mais diversos mistérios. Está também numa gama totalmente à parte dos anteriores jogos, pois presta-se bastante a jogar cooperativamente, com os diversos jogadores a partilharem informações, e a queimar conjuntamente as células cinzentas. Este jogo é o mais distante do que se pode imaginar de um jogo de tabuleiro: não tem dados, cartas, meeples, peças, counters, miniaturas; apenas um livro de regras, um mapa da Londres Vitoriana, um jornal, e um livro de pistas com que poderemos resolver os 10 mistérios com que o jogo nos defronta. À parte disto o jogo transporta-nos em cada sessão para a Londres Vitoriana, onde teremos de utilizar as tais célulazinhas, para investigando as pistas que nos aparecem e os indícios espalhados pelos jornais, chegar à conclusão de cada caso. A sua jogabilidade é aumentada em quatro expansões, onde somos colocados à prova em mais mistérios, e que nos fazem viajar por toda a Londres e inclusive visitar Paris.

Nos casos em que estes jogos são do tipo Solitaire, a experiência fica grandemente enriquecida quando jogados cooperativamente a dois ou mais. Por norma qualquer um deles transporta-nos para outras épocas e situações, e faz-nos passar um excelente tempo, o que é ao fim e ao cabo aquilo que se pretende de um bom jogo.

Este artigo foi publicado originalmente no TuJogas